“Uma das principais missões da universidade é formar pessoas. Termos de volta a vida nos campi é bastante motivador. Sabemos que ainda estamos em pandemia, mas acreditamos que o retorno pode ser feito com segurança”. É com otimismo que o reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, projeta o ano de 2022 para a comunidade universitária e para suas interações com diversos setores da sociedade. Próximo de completar um ano à frente da Universidade, ele faz um balanço das principais realizações da atual gestão e comenta as expectativas para os próximos anos na construção de uma Universidade que faça a diferença na vida das pessoas e na realidade do país.
A entrevista foi gravada na Rádio Unicamp em 7 de fevereiro de 2022 para uma edição especial do Repórter Unicamp. Ela está disponível na íntegra nos canais de comunicação da Universidade e nas plataformas de streaming. Confira, a seguir, os principais pontos da conversa.
Universidade preparada para o retorno presencial de estudantes
As aulas presenciais na Unicamp foram suspensas em 13 de março de 2020 em razão do avanço da pandemia de Covid-19. Durante os dois anos de suspensão, a Universidade trabalhou de forma intensa para que as atividades de ensino fossem mantidas, oferecendo a professores e estudantes apoio para as adaptações necessárias ao formato remoto. O retorno dos alunos aos campi foi agendado para 14 de março em função da necessidade de um prazo mais amplo para a adaptação às novas condições sanitárias e aos recursos tecnológicos que serão utilizados.
“Já fizemos isso no ano passado com funcionários e docentes. Grande parte das atividades que não envolvem a sala de aula foram retomadas com bastante segurança e não houve nenhum problema grave. O desafio agora é maior, porque os campi serão ocupados por um número maior de pessoas”, avalia o reitor. Dados da Reitoria da Unicamp mostram que, do total de estudantes, 90,2% já se matricularam no primeiro semestre de 2022 e comprovaram a vacinação completa, condição necessária para a matrícula. “São números muito próximos dos que temos na universidade em um contexto fora de pandemia. Isso mostra o entusiasmo dos estudantes com o retorno”, comenta.
Rádio Unicamp: Com o retorno das aulas presenciais, quais cuidados serão tomados enquanto ainda estivermos em pandemia?
Reitor: Em relação às salas de aula, tomamos todos os cuidados para garantir o distanciamento entre as pessoas. Há a possibilidade de utilizarmos o sistema de “salas gêmeas”. Os espaços que reúnem muitos alunos serão divididos e compartilhados. O professor dará aula para uma parte dos estudantes em uma das salas e será assistido pelos demais alunos em outra sala. Nesse caso, um robô educacional irá acompanhar o professor e permitir a interação. Além disso, o docente pode se revezar entre as duas salas. Caso um estudante ou professor precise realizar suas atividades de forma remota, essa possibilidade é garantida também. Serão 220 robôs educacionais disponíveis em toda nossa estrutura de salas de aula, de forma que os alunos não serão prejudicados. Há ainda a possibilidade de se usar a metodologia da sala de aula invertida, em que o professor dá aula em uma sala enquanto, em outro local, parte da turma cumpre um estudo dirigido de preparação para a aula que será dada na semana seguinte. Esse conjunto de atividades têm por objetivo trazer nossos alunos de volta aos campi, para que eles tenham a experiência universitária.
Nós, que somos defensores da vacinação e sabemos do seu efeito para proteger as pessoas na pandemia, temos a convicção de que chegou o momento de darmos um salto à frente. Nossa comunidade está vacinada. Isso é uma exigência para frequentar os campi, e continuaremos tomando todos os cuidados sanitários: distanciamento, uso obrigatório de máscaras e álcool em gel. Temos flexibilidade para aceitar sugestões, mas nossa meta é que o primeiro semestre de 2022 seja de atividades presenciais de ensino.
RU: Uma questão apontada pelo Senhor no ano passado é a importância dos programas de permanência estudantil, especialmente com o retorno presencial. Por que essas ações são necessárias e como a Universidade deve trabalhar nessa direção?
Reitor: Existem três desafios no que diz respeito à permanência estudantil. O primeiro é social. Ele já existia, mas foi agravado por diferentes razões, entre elas a crise econômica. O retorno a Campinas tem um impacto em custos para os estudantes. Nossa resposta foi ampliar os programas de assistência social com bolsas. Temos, neste ano, o maior orçamento para assistência estudantil da história da universidade. Hoje temos um programa de inclusão com grande impacto na comunidade estudantil. Nosso objetivo não é apenas possibilitar a entrada de pessoas que reflitam a heterogeneidade e diversidade da sociedade, mas também garantir que elas sejam bem formadas.
Em segundo lugar, temos que avaliar os desafios pedagógicos. São praticamente dois anos de ensino remoto e não sabemos ainda qual foi o impacto disso na formação dos alunos. Será importante monitorar o desempenho dos alunos nesse próximo semestre e ajustar as metodologias de ensino e conteúdos para recuperar alguma deficiência que possa ter ocorrido. O terceiro ponto abrange os impactos psicológicos da pandemia. Temos procurado fortalecer os serviços de apoio psicológico, por meio do SAPPE e de todos os serviços prestados pelo SAE, de forma a dar suporte aos jovens nas dificuldades que eles têm enfrentado. Outro programa essencial para a permanência é a moradia estudantil. Vamos melhorar as condições de moradia dos estudantes e, em um prazo um pouco mais longo, poderemos dar início à ampliação do espaço.
Progressões retomadas e investimentos em permanência
O orçamento aprovado pelo Conselho Universitário (Consu) para 2022 é de R$ 3,2 bilhões. O valor é 8,1% maior do que o orçamento da Unicamp de 2021. Do total, destacam-se os recursos que serão destinados à valorização profissional, a programas de permanência estudantil, obras e modernizações.
O processo de progressão de carreiras contará com 1,7% do orçamento, sendo 0,8% para as carreiras de Profissionais de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (PAEPE), 0,7% para docentes e 0,2% a carreiras especiais e de pesquisadores, além de novas contratações. Os programas de permanência estudantil terão R$ 101 milhões disponíveis, dos quais R$ 50 milhões irão para bolsas acadêmicas e sociais. Demandas de modernizações tecnológicas terão o investimento de R$ 20 milhões. Outros R$ 20 milhões serão aplicados em projetos de acessibilidade, reformas e planejamento.
RU: Quais os planos da gestão para investimentos na Universidade nos próximos anos, tanto em infraestrutura quanto em carreiras? Como conciliar esses planos com a responsabilidade na execução do orçamento?
Reitor: Em relação às carreiras, já demos início à retomada dos processos de progressão. É nosso compromisso viabilizar, no caso dos funcionários, uma sequência de três anos de progressão, 2022, 2023 e 2024. Já em relação ao quadro docente, resolvemos um grande represamento que havia nas promoções dentro do mesmo nível de carreira e também nas progressões de níveis. Vários concursos de Livre-Docência haviam sido desconectados da progressão para o nível de Professor Associado. Teremos, então, no quadro docente da Unicamp, um forte e progressivo avanço dos professores nos níveis de carreira. A progressão para Professor Titular é um pouco mais complicada, pois existe uma restrição interna ao número de professores nesse nível e um limite da própria Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Porém, a maior parte dos professores em condições de se tornarem titulares podem ser contemplados, desde que passem pelas avaliações de mérito e tenham um desempenho adequado.
Quanto aos investimentos em infraestrutura, há duas questões a serem solucionadas. A primeira diz respeito às dificuldades orçamentárias do passado que levaram a um grande represamento nos investimentos em infraestrutura. Em parte isso já está resolvido. Mas há também uma outra questão, que são as características dos investimentos feitos pela gestão pública, como a necessidade de licitações, entre outras. Procuramos, então, contornar essas dificuldades por meio de parcerias. Não basta termos os recursos, precisamos ser capazes de executar os investimentos.
“Desejamos valorizar nossa relação com a sociedade”
A partir de 2023, atividades de extensão universitária passarão a compor parte da grade curricular obrigatória da graduação. Os estudantes deverão cumprir, no mínimo, 10% da carga horária total em atividades como prestação de serviços assistenciais, assessorias, elaboração de projetos técnicos e pareceres, organização de eventos, entre outros. A iniciativa atende a uma resolução de 2018 do Conselho Nacional de Educação e deverá se tornar uma das ações da Universidade para ampliar seu contato com diferentes segmentos da sociedade.
“Temos compromisso com a vida humana, com a justiça social, com a democracia. São valores que levamos em conta ao nos relacionarmos com a sociedade”, pontua Antonio Meirelles. “Não podemos ter medo do diálogo, mesmo com pessoas que pensam de forma diferente. Encaro como um dos papéis do reitor levar essa mensagem a todos segmentos sociais”. Além das atividades de extensão, o reitor defende a construção de pontes com empresas, instituições públicas e movimentos sociais.
RU: Uma das prioridades do seu programa de gestão é a aproximação da Unicamp com diversos setores da sociedade. O que já foi realizado nessa direção ao longo desse primeiro ano?
Reitor: Já ocorreram aproximações importantes. Estamos dialogando com a Prefeitura de Campinas, por meio do prefeito, Dario Saadi, e da secretária de Desenvolvimento, Adriana Flosi. Discutimos muito a iniciativa do HIDS, o Hub de Inovação e Desenvolvimento Sustentável, o que também nos aproximou da PUC Campinas, do CNPEN, da Cargill, do CPQD, do Instituto Eldorado. São instituições com um vínculo forte com ciência e tecnologia, com a formação de pessoas, e com muito interesse em desenvolver a região com o espírito de inovação. Também houve aproximação com os prefeitos e deputados da Região Metropolitana de Campinas. Queremos que a ciência e tecnologia e nossa visão humanística tenham influência. Estamos plantando novas sementes, queremos cultivá-las.
Com a pandemia, os serviços públicos prestados pela Universidade conquistaram um reconhecimento maior por parte da população. As pessoas perceberam que temos o potencial de resolver problemas de interesse da sociedade. Temos que transformar isso em uma meta da Universidade. A melhor forma de nos defendermos dos ataques daqueles que acham que não somos importantes para o desenvolvimento é levar o impacto que podemos ter para a sociedade aos que precisam disso. Esse contato também nos traz temas de pesquisa, há preocupações da sociedade que ainda não receberam de nossa parte a devida atenção. Isso alimenta nossas agendas de pesquisa, de formação de pessoas, de conhecimento para melhorar as condições de vida da população.
RU: A área da saúde da Unicamp, que já tem grande importância na região, assumiu uma importância ainda maior com a pandemia de Covid-19. Essa é uma das pautas que motivam a aproximação da Unicamp com lideranças da região. Quais são os planos para esse setor?
Reitor: A Unicamp tem uma imensa gratidão com a área da saúde e um forte reconhecimento do papel que ela desempenhou nesses dois anos. A imensa maioria dos profissionais de saúde não se afastou das atividades presenciais, exceto em função de adoecimento. Eles estiveram na linha de frente da luta contra a pandemia e, sem sombra de dúvidas, são os principais responsáveis pelo fortalecimento da imagem das universidades públicas, da Unicamp em particular, e do SUS. O setor representa cerca de 20% de nosso orçamento e concentra 15% dos docentes. Temos hospitais e unidades de saúde, da própria Unicamp ou administrados pela universidade. É uma força imensa e queremos fortalecer a área ainda mais.
Temos trabalhado com os prefeitos da Região Metropolitana de Campinas e junto ao Governo do Estado pela criação de um Hospital Regional Metropolitano, que funcione nos padrões do Hospital Regional de Sumaré, mas com um alcance regional maior. Isso está sendo discutido junto a outros órgãos da Unicamp e entidades externas. Destaco aqui o envolvimento no projeto de nossa vice-reitora, professora Maria Luiza Moretti. Ela também está à frente da força-tarefa que vai garantir plenas condições de segurança para o retorno presencial dos alunos. Maria Luiza é médica infectologista, tem um trabalho muito ligado a epidemias, pandemias e doenças hospitalares. Também queremos aproximar a área de saúde aos demais setores da Universidade. A Unicamp pode ser um local onde a saúde não seja preocupação apenas dos médicos, mas de engenheiros, de biólogos, de profissionais das Ciências Humanas.
RU: Por fim, qual Universidade que essa gestão pretende construir nos próximos anos?
Reitor: Minha meta é gerar convergências. Temos que incentivar que mais alunos de escolas públicas prestem nosso vestibular e criar condições para que eles se formem com qualidade. Acredito que é possível compatibilizar essas coisas. Podemos ter uma universidade que se relacione com grandes empresas, mas que faça empreendedorismo social. Não há, necessariamente, conflito nisso. Há professores que desejam atuar em empreendedorismo social, então precisamos incentivar isso. Outros desejam desenvolver atividades junto a grandes empresas, sendo que hoje grandes corporações estão vinculadas a projetos de inclusão, aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Queremos uma Universidade que produza ciência e tecnologia de ponta, conhecimento, cultura, e que se posicione em relação a políticas públicas de forma a fazer a diferença em nossa região e no país. Queremos formar profissionais de qualidade, mas também com sensibilidade social e convicções democráticas. Desejamos valorizar nossa relação com a sociedade, ir ao encontro dela e nos alimentar desse encontro, em uma relação dialógica. Esses objetivos podem soar pretensiosos, mas são possíveis. Acredito que essas diversas perspectivas têm áreas de sobreposição. Uma boa gestão pode buscar exatamente essa convergência.
Originalmente publicado no Portal da Unicamp