O que aconteceria se as pesquisas de maior impacto acadêmico adotassem um rigoroso compromisso com a defesa de uma vida digna para as gerações presentes e futuras? Como seria a vida se técnicas, tecnologias e saberes fossem sempre compatíveis com o respeito mútuo, a responsabilidade compartilhada e a superação de desigualdades?
Provavelmente, muitos lembraram-se logo do potencial de pesquisas aplicadas, como aquelas que permitiram desenvolver vacinas eficazes contra a covid-19 em velocidade inédita, diante da também inédita pandemia que nos afetou a todos. Outros podem ter se lembrado de tantos estudos que buscam na biodiversidade, na agroecologia ou nas energias renováveis novas respostas para aperfeiçoar nossa relação com o planeta sem comprometer sua existência.
A lista de pesquisas comprometidas com a vida pode ser longa, passando por áreas como a bioquímica, a biologia molecular, a saúde pública, ambiental e ocupacional. Pode alcançar, ainda, outras áreas de pesquisa aplicada, como as engenharias, a arquitetura e a demografia, por exemplo, com dados fundamentais para políticas públicas. Ou pode estar na chamada pesquisa básica, como a física e a ciência espacial, com seus contundentes monitoramentos ambientais.
Todas alinham, de modo inovador e fundamental, ciência e direitos humanos, compreendidos em seu mais atual e profundo significado, tomando a existência humana como algo indissociável de todas as demais existências no planeta.
Se perguntássemos sobre as pesquisas relacionadas aos direitos humanos na atualidade, é possível que a lista apontasse para áreas como o direito, a antropologia, a filosofia, a educação, lembrando seus vínculos históricos com estudos sobre direitos individuais e sobre o respeito aos diferentes modos de vida nas sociedades. A lista estaria correta, sem dúvida. Mas incompleta ao não contemplar a multiplicidade de áreas do conhecimento capazes de aproximar ciência e direitos humanos, pesquisa e vida digna, artes e reconhecimento da importância do outro.
Ainda, os direitos humanos também apontam para o contato com as artes, o enlevo dos espíritos, o cuidado de si, ou o cultivo de si, no sentido da formação de direitos e do reconhecimento dos direitos do outro e na constituição de comunidades.
Entre tantas pesquisas com esse perfil desenvolvidas no Estado de São Paulo, alcançou reconhecimento recentemente a de Marcelo W. B. Furlan Alves, doutor em engenharia de produção pela Unesp/Bauru (Universidade Estadual Paulista). O pesquisador buscou compreender e quantificar a dupla relação entre desenvolvimento humano e práticas de adaptação às e de mitigação das mudanças do clima para construir um índice mundial de justiça climática. Por meio da modelagem de equações estruturais e análise envoltória de dados, criou um “novo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]”: um Índice de Justiça Climática.
Essa pesquisa foi laureada na primeira edição do “Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos Unicamp-Instituto Vladimir Herzog”, agora em sua terceira edição. O prêmio contempla pesquisas acadêmicas realizadas em instituições públicas de pesquisa do Estado de São Paulo em todas as áreas do conhecimento que contribuem para a proteção e a defesa do direito à vida, para a dignidade humana e a justiça social e que sejam exemplo de defesa da liberdade e responsabilidade da ciência na melhoria da humanidade.
Não é novidade que o Estado de São Paulo responde pela maior parte da produção acadêmica no país. Também é sabido que as instituições no Estado contam com as melhores estruturas de pesquisa e desenvolvimento da América Latina. Em um país em que 90% das pesquisas são realizadas em instituições públicas, as mais produtivas e de maior impacto estão em território paulista. Diante disso, o potencial transformador almejado pelo Prêmio é enorme e ganha ainda mais valor no contexto atual.
A parceria entre a Unicamp e o Instituto Vladimir Herzog, organização de decisiva atuação na defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de expressão, não espera de uma ciência de impacto nada menos que isto: que ela promova, efetivamente, a dignidade da vida em todas as suas formas de existência.
Esse é um processo gradual, mas com direção clara: a vida digna.
Antonio José de Almeida Meirelles é reitor da Unicamp.
Josianne Cerasoli é presidente da comissão organizadora do III PRADH.
Hamilton Harley é coordenador executivo de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog.